segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ambiente carregado no Código Florestal

Militantes das bandeiras “verdes” e dos interesses de setores do agronegócio medem forças e apimentam os debates sobre as alterações da nova legislação no Congresso

Sob protestos e muito barulho dos ambientalistas, a Câmara dos Deputados tem prazo marcado para se debruçar sobre as propostas de modificação do Código Florestal e da Lei de Crimes Ambientais. Os dispositivos, que estabelecem índices e regras de proteção ao meio ambiente, terão pelo menos 11 alterações sugeridas até o fim do mês. O relatório sobre as mudanças nas legislações está a cargo de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e trará uma série de flexibilizações nos critérios para constituição de áreas de proteção permanente (APPs) e reservas legais. A pressão sobre o resultado do documento chegou até a campanha presidencial, com a cobrança da senadora Marina Silva (PV-AC) para que todos os candidatos se posicionassem sobre as mudanças.

A revisão do Código Florestal é uma reação da bancada ruralista no Congresso Nacional à Lei de Crimes Ambientais — que também deve ser abrandada. Editada em 1998, ela teve a eficácia adiada em vários pontos — só o presidente Luiz Inácio Lula da Silva protelou por duas vezes a entrada em vigor de pontos da lei. O motivo é a alta taxa de fazendeiros que não se adequam às regras ambientas. A estimativa é de que 5 milhões de pessoas, ou 90% dos produtores brasileiros, seriam enquadradas por desrespeito aos limites estabelecidos no Código Florestal, caso a legislação penal entrasse em vigor. Com o custo elevado para recuperar áreas degradadas, inviável para os pequenos produtores, a estratégia utilizada pelos ruralistas para não colocar o setor na ilegalidade foi a de flexibilizar os limites de preservação(1).

Para grande parte dos ambientalistas, como a pré-candidata ao Planalto, Marina Silva, as mudanças no Código Florestal abrem brechas perigosas no combate ao desmatamento. Por isso, a estratégia da bancada verde tem sido pedir o adiamento da votação do relatório para o ano que vem. A senadora acreana chegou a colocar o relatório em debate em seu blog e pediu o posicionamento dos outros pré-candidatos à Presidência da República. “Ele (relatório) sinalizará se o Brasil continuará avançando nos esforços para proteger suas florestas ou se vamos ter um retrocesso histórico, com anistia dos crimes ambientais e estímulo para se destruir ainda mais nossas florestas(2). Se de fato somos a favor do desenvolvimento sustentável e da construção de uma nova narrativa para a economia do Brasil, devemos dar consequência prática às declarações políticas”, provocou Marina.

Sem conseguir o adiamento do relatório sobre as mudanças nas legislações, organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas têm pressionado os parlamentares com a edição de listas e até a criação do prêmio “Exterminador do futuro”. Direcionado aos inimigos do meio ambiente no Congresso, a “honraria” cairá, fatalmente, sobre o colo de um ruralista da comissão. Na linha de frente, por ser o relator da proposta, Rebelo questiona em entrevista ao Correio os interesses das entidades que criticam mudanças nas leis ambientais. Para pressioná-las, o deputado aprovou a convocação de várias empresas patrocinadoras dessas entidades. Como contragolpe, teve os doadores de campanha também convocados. A guerra de nervos alcançará alta tensão quando o relatório for votado pelos parlamentares, provavelmente na última semana do mês.

1 - Áreas de proteção permanente
Cobertas ou não por vegetação nativa, têm a função de preservar recursos hídricos, paisagem e a estabilidade do solo, entre outras. Foram criadas em mananciais — às margens de rios e lagos —, e nas encostas com mais de 45 graus e topos de morros. Em seu território é proibida qualquer intervenção humana. Desrespeitos às regras têm pena prevista de R$ 50 mil e detenção por até três anos.

2 - Reservas legais
Parcelas de terrenos ocupados na zona rural que devem ser destinados à preservação do bioma nativo. Os índices variam de 20%, na Mata Atlântica, até 80%, na Amazônia Legal. A Lei de Crimes Ambientais obriga a declaração, pelos produtores, da área atual de reserva legal nas propriedades, ficando a cargo dos proprietários o reflorestamento necessário para alcançar o índice. O prazo para a averbação, contudo, tem sido protelado por sucessivos decretos presidenciais.

entrevista - aldo rebelo
Proposta inviável

A revisão do Código Florestal compreenderá 11 modificações. Quais são os maiores problemas da legislação atual?
Nós temos dois problemas: um é a chamada reserva legal, que obriga a destinação de 20% das propriedades na Mata Atlântica para florestas ou reflorestamento. Os índices ainda crescem para 35% no cerrado e 80% na Amazônia. Como havia anteriormente a autorização para uso de áreas maiores ou a falta de aplicação da lei florestal, o resultado é que poucas propriedades conseguem se adequar a esse índice. Reflorestar a área tem custo maior do que toda a própria propriedade. É inviável, especialmente para o pequeno produtor. Também é injusto que a conta pela preservação só recaia sobre eles. O fato é que a legislação ambiental é exagerada e não foi acompanhada de um programa. Tornamos crime ambiental até tirar uma minhoca de uma área de proteção permanente (APP).

As áreas de preservação permanente (APPs) também são desrespeitadas. O novo código flexibilizará os limites?
As APPs são um problema. A vida no Brasil, indiretamente, existe ao longo dos rios. No Pantanal, por exemplo, a pecuária extensiva utiliza o capim nativo há 250 anos, dentro de APPs ou ocupando reservas legais. A ocupação é sustentável, o bioma está completamente preservado, a pastagem nunca foi degradada, a pecuária não contribuiu para agredir o bioma. Mas, pela lei, grande parte seria ilegal. Nós precisamos encontrar soluções práticas para essas pessoas, que estão sobrevivendo em condições que, pela lei atual, não seriam permitidas. Na realidade, 90% dos produtores, ou 5 milhões de pessoas, estão à margem da Lei de Crimes Ambientais.

Nas cidades, manter um limite para as APPs seria inviável?
A marginal Pinheiros, o Tietê, em São Paulo, está em área de proteção. O Lago Paranoá, idem. Os legisladores aconselham que consideremos isso como áreas consolidadas. Não passa pela cabeça de ninguém interditar esses lugares e plantar um bosque. Não há como fazer isso nas capitais. Só que os agricultores não aceitam tratamento distinto, até porque eles degradaram muito menos do que as cidades.

Mesmo que se flexibilizem os limites, ainda assim faltaria fiscalização sobre as irregularidades?

Acho que não temos condições de fiscalizar direito o cumprimento da lei em lugar nenhum. Você prende uma pessoa, mas não educa. O trabalho é o de vigiar e punir. É ingenuidade achar que o Ibama vai acompanhar a situação no interior, estando sediado em Brasília. Se as comunidades locais não se envolverem, sem a participação dos municípios, da prefeitura, fiscalização é uma miragem.

As entidades ambientais têm investido em listas. Os ruralistas reagem de forma exagerada. Uma guerra de extremos não prejudica o debate?
As pessoas sabem que essas ONGs obedecem a interesses dos países onde estão sediadas. A Holanda, que é a sede do Greenpeace, qual é a área de reserva legal na Holanda? Sequer existe. APP, idem. As pessoas veem que a responsabilidade por proteger nosso bioma é nossa, não de uma ONG que acha que a natureza só existe no Brasil. Eles querem construir as casas lá e manter um jardim botânico aqui. Os deputados reagem às campanhas porque é um direito deles. Ninguém quer se sentir intimidado por uma ONG financiada internacionalmente. (Correio Braziliense)

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